Contradizendo os arquivos da nação: revisões da “mãe preta” na arte brasileira

Abstract

Nos processos históricos da disputa do que significa raça ou a raça brasileira, as representações da “mãe preta” apareceram com uma frequência significativa. Esta tese investiga por que e como artistas negras contemporâneas reivindicam uma revisão das imagens de “mães pretas” nos seus trabalhos artísticos visuais e literários. O trabalho aborda como Rosana Paulino, Renata Felinto e Carolina Maria de Jesus recorrem aos arquivos da escravidão, como é o caso das fotografias das amas de leite, e aos arquivos da arte brasileira, tais como as representações modernistas da “mãe preta”. A análise de obras selecionadas dessas artistas mostra que as representações das “mães pretas” têm sido tanto um produto como produtoras da história, particularmente durante períodos de mudanças nas ideologias raciais predominantes: o abolicionismo do final do século XIX; a construção do mito da democracia racial no Brasil nas décadas de 1920-1930; e o reconhecimento estatal do início do século XXI do legado e da persistência das desigualdades raciais no Brasil. Em todos esses períodos, as representações das “mães pretas”, cujo trabalho de cuidado infantil e/ou cuidado doméstico permaneceu central na sociedade brasileira, oscilaram entre símbolos de afeto ou violência dependendo da ideologia racial predominante e do contexto de produção da imagem. O que essas artistas negras contemporâneas apontam é que as imagens estereotipadas da mãe negra contribuem ativamente com a manutenção das desigualdades sociais, raciais e de gênero na sociedade. Ao mesmo tempo, esses trabalhos artísticos mostram a constante agência das mulheres negras e do povo negro na resistência a essas imagens de controle. A autorrepresentação da mulher negra nas artes visuais, literatura e poesia torna-se um caminho de recuperar e recriar imagens da mulher negra vinculada a uma reterritorialização no espaço e no tempo orientada pela ancestralidade, portanto por uma cosmovisão afrodiaspórica. Desse modo, esta investigação contribui com discussões que privilegiam a interseção de raça, gênero, classe, maternidade e a construção de uma identidade nacional no campo da arte, da cultura e da história. Ressaltar a resistência histórica das mulheres negras às imagens de controle através de modos de reconexão com memória ancestral é matéria fundamental para uma mais ampla reflexão sobre a sociedade, no campo do Feminismo Decolonial, da Psicanálise, das Artes Visuais Brasileiras e da Literatura Brasileira.